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Utilização da técnica IRIS na identificação de corrosão em caldeiras

O Brasil, segundo dados da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), possui uma capacidade instalada de geração de energia de aproximadamente 140.000 MW, dos quais cerca de 28% advêm de usinas termoelétricas. Deste setor resulta boa parte do conjunto de clientes do ISQ Brasil, que é responsável pelas inspeções periódicas, avaliação da integridade e adequação aos referenciais normativos, em concreto, à Norma Regulamentadora NR-13 – Caldeiras, Vasos de Pressão e Tubulações.

Dentre os diversos mecanismos de dano a que os componentes das caldeiras de força (que constituem um elemento crítico no processo termoelétrico de geração de energia) estão submetidos, destaca-se aqui a corrosão sob depósito. De ocorrência comum nesse tipo de equipamento, este mecanismo de perda de espessura pode ser causado por diversos fatores e se manifestar em diferentes componentes da caldeira, como os tubos da fornalha e do banco de convecção.

A identificação desse tipo de mecanismo de dano depende de uma análise criteriosa da operação e projeto do equipamento. As regiões de ocorrência do dano muitas vezes exigem a utilização de recursos não convencionais de inspeção, devido às condições de limpeza e acesso. No planeamento do ISQ Brasil, visando mitigar riscos, aumentando a probabilidade de deteção de danos desta natureza, foi especificada a inspeção por IRIS (Internal Rotary Inspection System), exatamente por permitir uma avaliação quantitativa do defeito em tempo real e alcançar uma grande extensão no comprimento do tubo.

MECANISMO DE FORMAÇÃO DO DEPÓSITO

Um dos mecanismos de deposição em tubos de geração de vapor envolve a concentração de substâncias solúveis e insolúveis em um fino filme adjacente à superfície interna do tubo durante a formação de bolhas de vapor.

Quando uma bolha se desloca da parede do tubo, depósitos solúveis são novamente dissolvidos na água e materiais insolúveis formam uma camada permanente de depósitos. Em substâncias que apresentam solubilidade inversamente proporcional à temperatura, como compostos de cálcio, a deposição ocorre onde a transferência de calor é maior. Sob condições normais de operação, a taxa de deposição é baixa, tipicamente 5,4mg/cm² ou menos, por ano de serviço.

A tendência à formação de depósitos é influenciada pelo fluxo de calor localizado, pela turbulência do fluxo de água e pela composição da água próxima à parede do tubo. A taxa de deposição depende da taxa de formação de bolhas e da solubilidade efetiva do depósito. Em condições específicas pode até mesmo ocorrer a formação de depósitos solúveis sob uma camada estável de vapor, que impede que sejam dissolvidos por não terem contato com a água. O isolamento térmico provocado pelo depósito gera maior geração de vapor, que resultará em mais deposição.

CORROSÃO SOB DEPÓSITO

A corrosão sob depósito, um dos possíveis casos de corrosão por oxigenação diferencial, surge a partir de uma diferença no potencial eletroquímico entre determinadas regiões de um metal, diferença essa que tem origem na existência de concentrações distintas de oxigénio nessas regiões. Quando há depósitos de partículas sólidas na superfície do metal, a diferença entre aerações/oxigenações das zonas, com e sem a presença de depósitos, leva ao surgimento de uma pilha de aeração diferencial. Nesse caso, ocorrem as seguintes reações:

As áreas livres de depósitos se comportam como áreas catódicas devido ao maior teor de oxigênio. A região sob o depó- sito apresenta comportamento anódico e sofre corrosão localizada, podendo haver surgimento de pites ou alvéolos.

CASO PRÁTICO

Em uma caldeira de força, que opera há cerca de 30 anos, é de se esperar corrosão sob depósito na região dos raisers que ligam a parede posterior ao barrilete, conforme mostrado na Figura 1.

Figura 1: Pontos de falha dos tubos da parede posterior de uma caldeira de força

Nota-se que a região indicada para inspeção, após avaliação da probabilidade de ocorrência de corrosão sob depósito, é próxima a um suporte anti-vibração soldado entre os tubos raisers superiores e inferiores, de difícil acesso para inspeção pelo lado externo, conforme mostrado na Figura 2.

Figura 2: Suporte anti-vibração dos tubos raisers

Durante a inspeção periódica da caldeira, o ISQ Brasil realizou inspeção por IRIS (ver Ensaio IRIS) nesses tubos, através da inserção da sonda no interior dos tubos a partir do barrilete superior, identificando grande perda de espessura na região dos suportes, mesmo em condições adversas de irregularidade da superfície corroída, que gerou perda de acoplamento devido à ocorrência de bolhas. A Figura 3 apresenta uma imagem B e C-Scan onde se verifica a perda de espessura.

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Figura 3: Sinal de IRIS na região do defeito

Após a constatação do defeito foi realizada de forma complementar a inspeção visual remota por vídeo endoscopia para melhor caraterização do dano. O dano verificou-se numa região de escoamento bifásico, em que ocorre vapor saturado na geratriz superior, condição favorável para a ocorrência de depósitos. Essa condição foi agravada pelo suporte, que aumenta o fluxo de calor na região de contato com os tubos, aumentando a taxa de deposição. Após a inspeção, todos os trechos superiores da parede posterior foram substituídos quando se teve a oportunidade de realizar uma inspeção visual da região da falha, em que se verificaram espessuras residuais.

CONCLUSÃO

O caso prático mostrou a importância da análise prévia do histórico e das condições operacionais de uma caldeira, para que sejam determinados, dentro do plano de inspeção, os meios e os métodos empregados de forma eficaz.

O conhecimento dos mecanismos de degradação atuantes nessas caldeiras aumenta a confiabilidade na execução de ações de inspeção apropriadas – neste caso, IRIS, levando a um menor risco de falha. Tem-se com isso uma melhor interação entre o mecanismo que leva à falha do equipamento e o método de inspeção a implementar, garantindo maior confiabilidade e a integridade de tais equipamentos.

A dificuldade de limpeza interna e acesso com sondas em tubos de caldeiras, devido às curvas e coletores, abre uma série de oportunidades para desenvolvimentos em técnicas de inspeção. Técnicas avançadas como RFT (Remote Field Technique) para inspeção interna e EMAT (Electro-Magnetic Acoustic Transducer) para inspeção externa dos tubos, apesar das limitações, permitem vencer alguns desses obstáculos devido à eliminação da necessidade de uma limpeza rigorosa e, no caso do RFT, pela facilidade da sonda em vencer as curvas, permitindo a inspeção de todo o comprimento do tubo.

O ISQ Brasil, com a sua larga experiência em inspeção de caldeiras, tem investido continuamente em técnicas alternativas que possam relacionar o mecanismo de dano à sua probabilidade de deteção.

Autor: Vitor Limongi Araújo, engenheiro mecânico de integridade estrutural, ISQ Brasil; Gabriela Silva, engenheira mecânica Risk Based Inspection ISQ Brasil

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